- Não.
Ela fitou-me com seus significativos olhos azuis. Havia uma sombra neles, só perceptível por alguém que acabara de reconhecer a prática de um erro.
Erro ou esquecimento? Na realidade, uma falha de memória, um telefonema prometido e não dado.
Eu nunca houvera visto a marca de censura em seus olhos claros. Aliás, as duas íris azuis ao me fitarem , refletiram desde a dúvida ao afeto, mas nunca a reprovação.
Fiquei assustado. Ou magoado, sei lá. Admitimos a possibilidade do erro, mas não o fato de não sermos perdoados por ele.
- Desculpe-me.
- Não.
Ela sorriu desta vez. Mas seus olhos continuavam com a indefectível sombra. Saiu sorrindo, mas deixando no ar um enigma.O sorriso parecia perdoar-me, mas os olhos condenavam
Saí e voltei. Na mente,a imagem daquele julgamento estranho. Lá fora, os ruídos das pessoas, conversando ou trabalhando, tornaram-se mais distantes. Reli o poema que escrevera no dia em que deveria ter telefonado:
Não existem pedras
Em nossos caminhos,
A não ser que queiramos
Que existam..
Já revelamos a essência
Dos nossos corações
E nos aproximamos
Da noção de nossa sensualidade.
Assim, em momentos
De intimidade e silêncio,
O seu corpo será o altar
Em que depositarei minhas oferendas
A linguagem verbal
Será substituída pela comunicação
A redoma de vidro que nos envolve.
O telefone tocou. A folha de poema foi ao chão. Não era ela.Fiquei com aquele sentimento com o qual, certamente, nenhum réu ousaria contar.
Nem absolvido, nem condenado.
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