quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O JULGAMENTO

- Desculpe-me.

- Não.

Ela fitou-me com seus significativos olhos azuis. Havia uma sombra neles, só perceptível por alguém que acabara de reconhecer a prática de um erro.

Erro ou esquecimento? Na realidade, uma falha de memória, um telefonema prometido e não dado.

Eu nunca houvera visto a marca de censura em seus olhos claros. Aliás, as duas íris azuis ao me fitarem , refletiram desde a dúvida ao afeto, mas nunca a reprovação.

Fiquei assustado. Ou magoado, sei lá. Admitimos a possibilidade do erro, mas não o fato de não sermos perdoados por ele.

- Desculpe-me.

- Não.

Ela sorriu desta vez. Mas seus olhos continuavam com a indefectível sombra. Saiu sorrindo, mas deixando no ar um enigma.O sorriso parecia perdoar-me, mas os olhos condenavam

Saí e voltei. Na mente,a imagem daquele julgamento estranho. Lá fora, os ruídos das pessoas, conversando ou trabalhando, tornaram-se mais distantes. Reli o poema que escrevera no dia em que deveria ter telefonado:



Não existem pedras

Em nossos caminhos,

A não ser que queiramos

Que existam..

Já revelamos a essência

Dos nossos corações

E nos aproximamos

Da noção de nossa sensualidade.

Assim, em momentos

De intimidade e silêncio,

O seu corpo será o altar

Em que depositarei minhas oferendas

A linguagem verbal

Será substituída pela comunicação

Da pele sobre a pele

Sem que, contudo, quebremos

A redoma de vidro que nos envolve.



O telefone tocou. A folha de poema foi ao chão. Não era ela.Fiquei com aquele sentimento com o qual, certamente, nenhum réu ousaria contar.

Nem absolvido, nem condenado.